24 de dez. de 2010

Sentimentos...

"Somos donos de nossos atos,mas não donos de nossos sentimentos;

Somos culpados pelo que fazemos,mas não somos culpados pelo que sentimos;

Podemos prometer atos, mas não podemos prometer sentimentos...

Atos sao pássaros engailoados, sentimentos são passaros em vôo."

Mário Quintana

Que nesse natal seus sentimentos aflorem e ganhem as alturas!!!
Paz e Luz
Judi Menezes

23 de dez. de 2010

  A idade e a mudança


Mês passado participei de um evento sobre o Dia da Mulher.
Era um bate-papo com uma platéia composta de umas 250 mulheres de todas as raças, credos e idades.
E por falar em idade, lá pelas tantas, fui questionada sobre a minha e, como não me envergonho dela, respondi.
Foi um momento inesquecível...
A platéia inteira fez um 'oooohh' de descrédito.
Aí fiquei pensando: 'pô, estou neste auditório há quase uma hora exibindo minha inteligência, e a única coisa que provocou uma reação calorosa da mulherada foi o fato de eu não aparentar a idade que tenho? Onde é que nós estamos?'
Onde não sei, mas estamos correndo atrás de algo caquético chamado 'juventude eterna'. Estão todos em busca da reversão do tempo.
Acho ótimo, porque decrepitude também não é meu sonho de consumo, mas cirurgias estéticas não dão conta desse assunto sozinhas.
Há um outro truque que faz com que continuemos a ser chamadas de senhoritas mesmo em idade avançada.
A fonte da juventude chama-se "mudança".
De fato, quem é escravo da repetição está condenado a virar cadáver antes da hora.
A única maneira de ser idoso sem envelhecer é não se opor a novos comportamentos, é ter disposição para guinadas.
Eu pretendo morrer jovem aos 120 anos.
Mudança, o que vem a ser tal coisa?
Minha mãe recentemente mudou do apartamento enorme em que morou a vida toda para um bem menorzinho.
Teve que vender e doar mais da metade dos móveis e tranqueiras, que havia guardado e, mesmo tendo feito isso com certa dor, ao conquistar uma vida mais compacta e simplificada, rejuvenesceu.
Uma amiga casada há 38 anos cansou das galinhagens do marido e o mandou passear, sem temer ficar sozinha aos 65 anos.
Rejuvenesceu.
Uma outra cansou da pauleira urbana e trocou um baita emprego por um não tão bom, só que em Florianópolis, onde ela vai à praia sempre que tem sol.
Rejuvenesceu.
Toda mudança cobra um alto preço emocional.
Antes de se tomar uma decisão difícil, e durante a tomada, chora-se muito, os questionamentos são inúmeros, a vida se desestabiliza.
Mas então chega o depois, a coisa feita, e aí a recompensa fica escancarada na face.
Mudanças fazem milagres por nossos olhos, e é no olhar que se percebe a tal juventude eterna.
Um olhar opaco pode ser puxado e repuxado por um cirurgião a ponto de as rugas sumirem, só que continuará opaco porque não existe plástica que resgate seu brilho.
Quem dá brilho ao olhar é a vida que a gente optou por levar.
Olhe-se no espelho...
                                                                                                          Lya Luft


Não sei  se todos temos essa  disposição para guinadas! Acredito que seja muito simples encontrá-la , talvez esse seja o paradoxo maior!
De coração desejo a voce que encontre  a sua fonte de junventude chamada "mudança". Que ela seja  algo mágico, divino e, porque não, profano.
PAZ E LUZ!
Judi Menezes

22 de dez. de 2010

A escolha é sua!

Você já ouviu alguma vez falar de livre arbítrio?


Livre-arbítrio quer dizer livre escolha, livre opção.
Em todas as situações da vida, sempre temos duas ou mais possibilidades para escolher.
E a cada momento a vida nos exige decisão. Sempre temos que optar entre uma ou outra atitude.
Desde que abrimos os olhos, pela manhã, estamos optando entre uma atitude ou outra. Ao ouvir o despertador, podemos escolher entre abrir a boca para lamentar por não ser nosso dia de folga ou para agradecer por mais um dia de oportunidades.
Ao encontrarmos o nosso familiar que acaba de se levantar, podemos resmungar qualquer coisa, ficar calado, ou desejar, do fundo da alma, um bom dia.
Quando chegamos ao local de trabalho, podemos optar entre ficar de bem com todos ou buscar o isolamento, ou, ainda, contaminar o ambiente com mau humor.
Conta um médico, que trata de pacientes com câncer, que as atitudes das pessoas variam muito, mesmo em situações parecidas.
Diz ele que duas de suas pacientes, quase da mesma idade, tiveram que extirpar um seio por causa da doença. Uma delas ficou feliz por continuar viva e poder brincar com os netos, a outra optou por lamentar pelo seio que havia perdido, embora também tivesse os netos para se distrair.
Quando alguém o ofende, você pode escolher por revidar, calar-se ou oferecer o tratamento oposto. A decisão sempre é sua.
O que vale ressaltar é que todas as ações terão uma reação correspondente, como conseqüência. E essa ação é de nossa total responsabilidade.
E isso deve ser ensinado aos filhos desde cedo. Caso a criança escolha agredir seu colega e leve alguns arranhões, deverá saber que isso é resultado da sua ação e, por conseguinte, de sua inteira responsabilidade.
Tudo na vida está sujeito à lei de causa e efeito: para uma ação positiva, um efeito positivo; para uma ação infeliz, o resultado correspondente.
Se você chega ao trabalho bem humorado, alegre, radiante, e encontra seu colega de mau humor, você pode decidir entre sintonizar na faixa dele ou fazer com que ele sintonize na sua.
Você tem ainda outra possibilidade de escolha: ficar na sua.
Todavia, da sua escolha dependerá o resto do dia. E os resultados lhe pertencem.
A semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória.
Pois bem, nós estamos semeando e colhendo o tempo todo. Se semeamos sementes de flores, colhemos flores; se plantamos espinheiros, colheremos espinhos. Não há outra saída.
Mas o que importa mesmo é saber que a opção é nossa. Somos livres para escolher, antes de semear. Aí é que está a justiça divina.
Mesmo as semeaduras que demoram bastante tempo para germinar, um dia terão seus frutos. São aqueles atos praticados no anonimato, na surdina, que aparentemente ficam impunes. Um dia eles aparecerão e reclamarão colheita.
Igualmente, os atos de renúncia, de tolerância, de benevolência, que tantas vezes parecem não dar resultados, um dia florescerão e darão bons frutos e perfume agradável. É só deixar nas mãos do jardineiro divino, a quem chamamos de Criador.
Pense nisso!A hora seguinte será o reflexo da hora atual.
O dia de amanhã trará os resultados do dia de hoje.
É assim que vamos construindo a nossa felicidade ou a nossa desdita, de acordo com a nossa livre escolha, com nosso livre-arbítrio. Sempre estamos fazendo escolhas!!!
Desejo que sua colheita seja esteja repleta de bons frutos!
Paz e Luz
Judi Menezes

20 de dez. de 2010

O discreto bater de asas de anjos...


O Victor é um adolescente. Arranjou um emprego no McDonald‘s. No McDonald‘s trabalham adolescentes. Antes de iniciar o seu trabalho eles são treinados. São treinados, primeiro, a cuidar do espaço em que trabalham: a ordem, a limpeza, os materiais – guardanapos, canudinhos, temperos, bandejas. É preciso não desperdiçar. Depois, são treinados a lidar com os clientes. Delicadeza. Atenção. Simpatia. Sorrisos. Boa vontade. Clientes não devem ser contrariados. Têm de se sentir em casa. Têm de sair satisfeitos. Se saírem contrariados, não voltarão. O Victor aprendeu bem as lições: começou o seu trabalho. Mas logo descobriu uma coisa que não estava de acordo com o aprendido: os adolescentes, fregueses, não cuidavam das coisas como eles, empregados, cuidavam. Tiravam punhados de canudinhos para brincar. Usavam mais guardanapos do que o necessário. Punham as bandejas dentro do lixo. Aí o Victor não conseguiu se comportar de acordo com as regras. Se ele e os seus colegas de trabalho obedeciam as regras, por que os clientes não deveriam obedecê-las? Por que sorrir e ser delicado com fregueses que não respeitavam as regras de educação e civilidade? E ficou claro para todo mundo, colegas e clientes, que o Victor não estava seguindo as lições... O chefe chamou o Victor. Lembrou-lhe o que lhe havia sido ensinado. O Victor não cedeu. Argumentou. Disse de forma clara o que estava sentindo. O que ele desejava era coerência. Aquela condescendência sorridente era uma má política educativa. Era injustiça. Os seus colegas de trabalho sentiam e pensavam o mesmo que ele. Mas eram mais flexíveis... Não reclamavam. Engoliam o comportamento não educado dos clientes-adolescentes com o sorriso prescrito. E o chefe, sorrindo, acabou por dar razão ao Victor. Qual a diferença que havia entre o Victor e os seus colegas? O Victor tem Síndrome de Down.
O Edmar é um adolescente. Calado. Quase não fala. Arranjou um emprego como lavador de automóveis num lava-rápido. Emprego bom para ele porque não é necessário falar enquanto se lava um carro. Mas de repente, sem nenhuma explicação, o Edmar passou a se recusar a trabalhar. Ficava quieto num canto sem dar explicações. O Edmar, como o Victor, tem Síndrome de Down. A “Fundação Síndrome de Down“, que havia arranjado o emprego para o Edmar, foi informada do que estava acontecendo. Que tristeza! Um bom emprego – e parece que o Edmar ia jogar tudo fora. O caminho mais fácil seria simplesmente dizer: “Pena. Fracassamos. Não deu certo. Pessoas com Síndrome de Down são assim...“ Mas a equipe encarregada da inclusão não aceitou essa solução. Tinha de haver uma razão para o estranho comportamento do Edmar. E como ele é calado e não explica as razões do que faz, uma das pessoas da equipe se empregou como lavadora de carros, no lava-rápido onde o Edmar trabalhava. E foi lá, ao lado do Edmar, que ela descobriu o nó da questão: o Edmar odiava o “pretinho“ – aquele líquido que é usado nos pneus. Odiava porque o tal líquido grudava na mão, não havia jeito de lavar, e a mão ficava preta e feia. O Edmar não gostava que sua mão ficasse preta e feia. Todos os outros lavadores – sem Síndrome de Down – sentiam o mesmo que o Edmar sentia - também eles não gostavam de ver suas mãos pretas e sujas. Não gostavam mas não reclamavam. A solução? Despedir o Edmar? De jeito nenhum! A “lavadora“ pôs-se a campo, numa pesquisa: haverá um outro líquido que produza o mesmo resultado nos pneus e que não seja preto? Descobriu. Havia. E assim o Edmar voltou a realizar alegremente o seu trabalho com as mãos brancas. E, graças a ele, e ao trabalho da “lavadora“, todos os outros puderam ter mãos limpas ao fim do dia de trabalho.
Essa é uma surpreendente característica daqueles que têm Síndrome de Down: não aceitam aquilo que contraria o seu desejo e suas convicções. O Victor desejava coerência. Não iria engolir o comportamento não civilizado de ninguém. O Edmar queria ter suas mãos limpas. Não iria fazer uma coisa que sujasse suas mãos. Quem tem Síndrome de Down não consegue ser desonesto. Não consegue mentir. E é por isso que os adultos se sentem embaraçados pelo seu comportamento. Porque os adultos sabem fazer o jogo da mentira e do fingimento. Um adulto recebe um presente de aniversário que julga feio. Aí, com o presente feio nas mãos, ele olha para o presenteador e diz sorridente: “Mas que lindo!“ Quem me contou foi o Elba Mantovaneli: ele deu um presente para a Andréa. Mas aquele presente não era o que ela queria! Ela não fingiu e nem se atrapalhou. Só disse, com um sorriso: “Vou dar o seu presente para o Fulano. Ele vai gostar...“
As crianças normais, na escola, aprendem que elas têm de engolir jilós, mandioca crua e pedaços de nabo: coisas que não fazem sentido. Aprendem o que é “dígrafo“, “próclise“, “ênclise“, “mesóclise“, os “usos da partícula se“... Você ainda se lembra? Esqueceu? Mas teve de estudar e responder certo na prova. Esqueceu, por quê? Porque não fazia sentido.
Fazer sentido: o que é isso? É simples. O corpo – sábio – carrega duas caixas na inteligência: a caixa de ferramentas e a caixa de brinquedos. Na caixa de ferramentas estão coisas que podem ser usadas. Não todas, evidentemente. Caso contrário a caixa teria o tamanho de um estádio de futebol. Seria pesada demais para ser carregada. Se vou cozinhar, na minha caixa de ferramentas deverão estar coisas necessárias para cozinhar. Mas não precisarei de machados e guindastes. Na outra caixa, de brinquedos, estão todas as coisas que dão prazer: pipas, flautas, estórias, piadas, jogos, brincadeiras, beijos, caquis... Se a coisa ensinada nem é ferramenta e nem é brinquedo, o corpo diz que não serve para nada. Não aprende. Esquece. As crianças “normais“, havendo compreendido que os professores e diretores são mais fortes que elas, por ter o poder de reprovar, submetem-se. Engolem os jilós, as mandiocas cruas e os pedaços de nabo, porque terão de devolvê-los nas provas. Mas logo os vomitam pelo esquecimento. Não foi assim que aconteceu conosco? As crianças e adolescentes com Síndrome de Down simplesmente se recusam a aprender. Elas só aprendem aquilo que é expressão do seu desejo. Entrei numa sala, na “Fundação Síndrome de Down“. Todos estavam concentradíssimos equacionando os elementos necessários para a produção de um cachorro quente. Certamente estavam planejando alguma festa... Numa folha estavam listados: salsicha, pão, vinagrete, mostarda... Entrei no jogo. “Esse cachorro quente de vocês não é de nada. Está faltando a coisa mais importante!“ Eles me olharam espantados. Teriam se esquecido de algo? Seu cachorro quente estaria incompleto? Acrescentei: “Falta a pimenta!“ Aí seus rostos se abriram num sorriso triunfante. Viraram a folha e me mostraram o que estava escrito na segunda folha: “pimenta“.
Aí, vocês adultos, vão dizer: “Que coisa mais boba estudar um cachorro quente!“ Respondo que bobo mesmo é estudar dígrafo, usos da partícula se, os afluentes da margem esquerda do Amazonas e assistir o “Show do Milhão“. Um cachorro quente, um prato de comida, uma sopa: que maravilhosos objetos de estudo. Já pensaram que num cachorro quente se encontra todo um mundo? Querem que eu explique? Não explicarei. Vocês, que se dizem normais e inteligentes, que tratem de pensar e concluir.
A sabedoria das crianças e adolescentes com Síndrome de Down diz: “Dignas de serem sabidas são aquelas coisas que fazem sentido, que têm a ver com a minha vida e os meus desejos!“ Mas isso é sabedoria para todo mundo, sabedoria fundamental que se encontra nas crianças e que vai sendo progressivamente perdida à medida que crescemos.
E há o caso delicioso do Nilson que foi eleito “funcionário do mês“ no McDonald‘s. E não o foi por condescendência, colher-de-chá... Foi por mérito. O Nilson é um elemento conciliador, amigo, que espalha amizade por onde quer que ande... Todos gostam dele e o querem como companheiro.

É preciso devolver as pessoas com Síndrome de Down à vida comum de todos nós. Nós todos habitamos um mesmo mundo. Somos companheiros. É estúpido e injusto segregá-los em espaços e situações fechadas. Claro que vocês já leram a estória da Cinderela – também conhecida como “Gata Borralheira“. Sua madrasta a havia segregado no “borralho“. Não podia frequentar a sala. Todas as estórias são respostas a situações reais. Pois eu acho que, na vida real, a “Gata Borralheira“ era uma adolescente com Síndrome de Down de quem mãe e irmãs se envergonhavam. Mas a estória dá uma reviravolta e mostra que ela tinha uma beleza que a madrasta e irmãs não possuíam. E eu sugiro que sua beleza está nessa inteligência infantil, absolutamente honesta, absolutamente comprometida com o desejo que nós, adultos, perdemos ao nos submeter ao jogo das hipocrisias sociais.

Quem quiser saber mais poderá visitar a “Fundação Síndrome de Down“, em Barão Geraldo. É uma instituição maravilhosa! E digo que me comovi ao observar o carinho, inteligência e persistência daqueles que lá trabalham. E andando pelos seus corredores e salas de repente senti que havia lágrimas nos meus olhos: lembrei-me do Guido Ivan de Carvalho que foi um dos seus idealizadores e construtores, juntamente com a Lenir, sua esposa. O Guido não está mais lá. Ficou encantado... Sugeri à Lenir que plantasse, para o Guido, uma árvore, no jardim da Fundação. Se vocês não sabem, na estória original da Cinderela não havia Fada Madrinha. Quem protegia a Cinderela era a sua mãe morta, que continuava a viver sob a forma de uma árvore...
Pensando naquelas crianças e adolescentes lembrei-me de uma afirmação do apóstolo Paulo: “Deus escolheu as coisas tolas desse mundo para confundir os sábios – porque a loucura de Deus é mais sábia que a sabedoria dos homens...“ Quem sabe será possível ouvir, naqueles rostos sorridentes, um discreto bater de asas de anjos...
Quando estive em Portugal, no ano passado, descobri, na Vila das Aves, a Escola da Ponte. Contei sobre ela no livro A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir, publicado pela Papirus. Pois uma das coisas que me surpreenderam naquela escola foi ver crianças com Síndrome de Down integradas com as outras crianças: eram suas companheiras, iguais a elas, sem que ninguém as tratasse como casos especiais. Retornei à Escola da Ponte, faz uns meses, com um grupo de educadores brasileiros. E eu andava distraído pelo jardim da escola quando ouvi um grito: “Rubem“. Era o André, um deles... Maior e mais forte do que eu, correu para mim e me deu um abraço que me levantou do chão... O André se especializou em computadores e criou uma homepage através da qual se comunica com o mundo!

( Rubem Alves,Correio Popular, Caderno C, 23/09/2001.)

Sem comentarios!!!
Paz e Luz!
Judi Menezes

19 de dez. de 2010

Ganhei coragem !!! Admito, ha muito tempo estou tentando partilhar esse texto do Rubem Alves, mas sem coragem, acredito que devo estar ficando velha( nao tenho nada contra o termo, nao gosto de idosa ou da terceira idade - acho muito hipocrita).

                          Ganhei coragem

“Mesmo o mais corajoso entre nós só raramente tem coragem para aquilo que ele realmente conhece“, observou Nietzsche. É o meu caso. Muitos pensamentos meus, eu guardei em segredo. Por medo. Albert Camus, ledor de Nietzsche, acrescentou um detalhe acerca da hora quando a coragem chega: “Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que sabemos“. Tardiamente. Na velhice. Como estou velho, ganhei coragem. Vou dizer aquilo sobre que me calei: “O povo unido jamais será vencido“: é disso que eu tenho medo.

Em tempos passados invocava-se o nome de Deus como fundamento da ordem política. Mas Deus foi exilado e o “povo“ tomou o seu lugar: a democracia é o governo do povo... Não sei se foi bom negócio: o fato é que a vontade do povo, além de não ser confiável, é de uma imensa mediocridade. Basta ver os programas de televisão que o povo prefere.

A Teologia da Libertação sacralizou o povo como instrumento de libertação histórica. Nada mais distante dos textos bíblicos. Na Bíblia o povo e Deus andam sempre em direções opostas. Bastou que Moisés, líder, se distraísse, na montanha, para que o povo, na planície, se entregasse à adoração de um bezerro de ouro. Voltando das alturas Moisés ficou tão furioso que quebrou as tábuas com os 10 mandamentos. E há estória do profeta Oséias, homem apaixonado! Seu coração se derretia ao contemplar o rosto da mulher que amava! Mas ela tinha outras idéias. Amava a prostituição. Pulava de amante a amante enquanto o amor de Oséias pulava de perdão a perdão. Até que ela o abandonou... Passado muito tempo Oséias perambulava solitário pelo mercado de escravos... E que foi que viu? Viu a sua amada sendo vendida como escrava. Oséias não teve dúvidas. Comprou-a e disse: “Agora você será minha para sempre...“ Pois o profeta transformou a sua desdita amorosa numa parábola do amor de Deus. Deus era o amante apaixonado. O povo era a prostituta. Ele amava a prostituta. Mas sabia que ela não era confiável. O povo sempre preferia os falsos profetas aos verdadeiros, porque os falsos profetas lhes contavam mentiras. As mentiras são doces. A verdade é amarga. Os políticos romanos sabiam que o povo se enrola com pão e circo. No tempo dos romanos o circo era os cristãos sendo devorados pelos leões. E como o povo gostava de ver o sangue e ouvir os gritos! As coisas mudaram. Os cristãos, de comida para os leões, se transformaram em donos do circo. O circo cristão era diferente: judeus, bruxas e hereges sendo queimados em praças públicas. As praças ficavam apinhadas com o povo em festa, se alegrando com o cheiro de churrasco e os gritos. Reinhold Niebuhr, teólogo moral protestante, no seu livro O homem moral e a sociedade imoral observa que os indivíduos, isolados, têm consciência. São seres morais. Sentem-se “responsáveis“ por aquilo que fazem. Mas quando passam a pertencer a um grupo, a razão é silenciada pelas emoções coletivas. Indivíduos que, isoladamente, são incapazes de fazer mal a uma borboleta, se incorporados a um grupo, tornam-se capazes dos atos mais cruéis. Participam de linchamentos, são capazes de pôr fogo num índio adormecido e de jogar uma bomba no meio da torcida do time rival. Indivíduos são seres morais. Mas o povo não é moral. O povo é uma prostituta que se vende a preço baixo. Meu amigo Lisâneas Maciel, no meio de uma campanha eleitoral, me dizia que estava difícil porque o outro candidato a deputado comprava os votos do povo por franguinhos da Sadia. E a democracia se faz com os votos do povo... Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional, segundo a verdade e segundo os interesses da coletividade. É sobre esse pressuposto que se constrói o ideal da democracia. Mas uma das características do povo é a facilidade com que ele é enganado. O povo é movido pelo poder das imagens e não pelo poder da razão. Quem decide as eleições – e a democracia - são os produtores de imagens. Os votos, nas eleições, dizem quem é o artista que produz as imagens mais sedutoras. O povo não pensa. Somente os indivíduos pensam. Mas o povo detesta os indivíduos que se recusam a ser assimilados à coletividade. Uma coisa é o ideal democrático, que eu amo. Outra coisa são as práticas de engano pelas quais o povo é seduzido. O povo é a massa de manobra sobre a qual os espertos trabalham. Nem Freud, nem Nietzsche e nem Jesus Cristo confiavam no povo. Jesus Cristo foi crucificado pelo voto popular, que elegeu Barrabás. Durante a Revolução Cultural na China de Mao-Tse-Tung, o povo queimava violinos em nome da verdade proletária. Não sei que outras coisas o povo é capaz de queimar. O nazismo era um movimento popular. O povo alemão amava o Führer. O mais famoso dos automóveis foi criado pelo governo alemão para o povo: o Volkswagen. Volk, em alemão, quer dizer “povo“..
O povo unido jamais será vencido! Tenho vários gostos que não são populares. Alguns já me acusaram de gostos aristocráticos... Mas, que posso fazer? Gosto de Bach, de Brahms, de Fernando Pessoa, de Nietzsche, de Saramago, de silêncio, não gosto de churrasco, não gosto de rock, não gosto de música sertaneja, não gosto de futebol (tive a desgraça de viajar por duas vezes, de avião, com um time de futebol...). Tenho medo de que, num eventual triunfo do gosto do povo, eu venha a ser obrigado a queimar os meus gostos e engolir sapos e a brincar de “boca-de-forno“, à semelhança do que aconteceu na China.

De vez em quando, raramente, o povo fica bonito. Mas, para que esse acontecimento raro aconteça é preciso que um poeta entoe uma canção e o povo escute: “Caminhando e cantando e seguindo a canção...“ Isso é tarefa para os artistas e educadores: O povo que amo não é uma realidade. É uma esperança.

(Rubem Alves, Folha de S. Paulo, 05/05/2002)


Sei que o texto 'e provacante , concordo com cada linha. Acho que a cada triunfo do povo tenho que engolir muitos sapos. Isso 'e amedrontador!  Nao espero que concordem !
Desejo ter despertado no minimo uma boa reflexao!
Paz e Luz!
Judi Menezes